Greves universitárias

O Arthur me mostrou hoje essa tirinha do PHD Comics, uma série de tirinhas cômicas sobre a vida dos pesquisadores que volta e meia arranca gargalhadas do menino. Essa de hoje me fez lembrar da greve francesa das universidades.

O personagem é novo e sai de cena pra sempre em uma só tirinha. “Querido Gerard, sentimos muito em informá-lo que, devido à crise econômica, a verba para todos os personagens de Humanidades foi cortada” “Por favor, deixe a tirinha de uma vez ou mude para uma área mais útil”‘. Achei a crítica genial. Quem faz pesquisa na área de humanas sabe o que é trabalhar sem bolsa, quando as agências de fomento têm um pensamento utilitarista.

Os professores, pesquisadores e alunos de grande parte das universidades francesas, em greve por período indeterminado, combatem esse pensamento utilitarista, que parece uma tendência mundial. Na semana passada assisti  a uma mesa redonda aqui mesmo na Maison du Brésil, sobre a lei de reforma universitária, com um sociólogo e professores, pesquisadores e alunos líderes de movimentos atuantes nessa greve. Embora as reivindicações sejam distintas de país para país, por causa de realidades muito diferentes, lembrei bastante das greves que presenciei quando estudava na USP.

Educação no Brasil e na França, quase nada em comum. Mas os princípios gerais são exatamente os mesmos no mundo inteiro: a luta pela educação pública, pelos valores da democracia e do humanismo, contra as reformas que beneficiam o mercado, acima de tudo. Aqui na França, quando falam no risco de “privatização das universidades” os debatedores se referem a algo mais complexo que o pagamento de mensalidades ou a expansão de uma rede privada de educação. Falam, na verdade, da privatização dos interesses públicos, do lobby e da ingerência das grandes empresas nos assuntos de educação e pesquisa.

O Sarkozy acusa os pesquisadores de não trabalharem, porque eles dedicam pouco tempo a aulas e muitas horas à pesquisa. Ele quer prova de produtividade, resultado, um discurso que convence muita gente. Quem pesquisa sabe que não é bem assim, que número de papers publicados pode não significar muita coisa. Mas vai explicar isso. Sabe aquela coisa que a gente fala muito no Brasil de que no país a universidade está muito distante da população geral? Aqui, guardadas as devidas proporções, acontece o mesmo. O cidadão comum também não entende as reivindicações dos grevistas.

As reformas, que vão em direção dos interesses do mercado (ex: financiamento com dinheiro público de pesquisas úteis às indústrias, desvio do dinheiro das áreas de humanas e ciências puras para áreas como informática, matemática aplicada, administração) já foram feitas na Inglaterra, na Itália e em vários outros cantos do mundo. Nos outros países europeus, também houve resistência. Na França, a briga assume uma proporçào maior pelo tamanho da greve, num país de forte tradição republicana e humanista. Fala-se na França como o último bastião da democracia e dos valores acadêmicos ou, pelo contrário, no país mais atrasado a fazer as reformas liberais na educação e nos outros setores estratégicos. Depende da opinião política de quem fala. Eu gosto mais da primeira visão. E fico triste de pensar que um país com uma forte tradição de estudos nas áreas de sociologia, história, filosofia e outras entre na onda da “modernização” e da “eficiência”.

8 Comentários

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8 Respostas para “Greves universitárias

  1. Tati

    Ah, tinha visto essas tirinha outro dia, são mesmo divertidas para quem vive na pele a situação de estudante ou pesquisador! Aqui também estamos em greve again…
    beijocas

  2. jarbas

    Filha,

    Bela matéria. Divulquei a dita lá no meu blog. Bijão,
    Jarbas.

  3. Taís
    Cheguei aqui através do “Boteco da Escola”…
    Você conhece aquela expressão “ouvi o pinto piar mas não sei onde”? Na verdade, em vez de onde, o termo mais adequado seria porquê…
    Pois eu ouvi pintos piarem sobre “a importância das disciplinas das áreas tecnológicas para o progresso material de um país”; reportagens sobre o absurdo das aulas de história sob o comando de professores esquerdistas e a necessidade dos pais verificarem a “qualidade” (conceito subentendido de várias formas, dependendo do contexto onde é utilizado) do ensino de seus filhos; ações de secretarias de educação que visam resultados; e parcerias público/privadas em que o Estado repassa serviços educacionais à fundações e federações…
    E seu artigo ajudou a esclarecer – guardadas as devidas diferenças entre educação no Brasil e na França – porque os pintos estão piando tanto ultimamente…

    • Sim, Conceição, estão piando muito nos ultimos anos, no mundo inteiro. Curioso é ver como o discurso é o mesmo em todos os paises.
      Abraços,
      Tais

  4. antoniomorales

    Olá Taís…também cheguei aqui através do Boteco Escola. Muito interessante seu post/reportagem como diz seu pai. Não sei se sabe, mas faço com ele e outros colegas o Blog ARQUIVO 68 (http://josekuller.wordpress.com/) e pensei aqui com meus botões que poderia escrever algo relacionando a realidade de hoje por aí, com o MAIO DE 68 na França, que poderia ser publicado no seu e no nosso blog. abraços

    • Gostei da idéia! Vou tentar sim, estão falando muito do maio de 68 em comparação com a greve e o movimento estudantil de hoje. Eu escrevo aqui e depois mando pra vc colocar la no blog.
      Abraço

  5. Luciano

    ha-ha
    (ou ai, ai)
    o quadrinho é bem preciso.
    Quem mandou a gente se meter a construir uma carreira nas humanidades?

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