Sakountala, segundo uma lenda indiana, era a filha de um sábio. Um rei poderoso, numa de suas andanças fora de seu domínio, vê Sakountala e se apaixona. Para sorte dele, ela também se apaixona. Os dois ficam juntos e têm um filho. O rei volta para seu reino, para começar as preparações do casamento com Sakountala. Ela fica e um dia acaba amaldiçoada por um feiticeiro. A maldição: o rei não lembraria nunca mais dela, assim como um homem bêbado que não se lembra do que fez ou do que falou no dia anterior. Sakountala vai ao encontro do rei, coberta, e conta a historia, mas ele não a reconhece. Ela fica desolada com a humilhação e se recolhe. Alguns anos mais tarde, o rei reencontra a mulher, a reconhece e, de joelhos, pede perdão pelo abandono, pelo esquecimento. Ela aceita o perdão.
Camille Claudel deu o nome de Sakountala a uma de suas esculturas mais bonitas, a primeira escultura dramática de sua autoria. No livro Une femme, que estou lendo, encontrei uma passagem muito bonita, que acontece depois que Camille pega seu amante Rodin no flagra com uma de suas modelos. Camille reflete e diz a Rodin que ela não é como sua esposa, que não tem ciumes e entende que um escultor tenha outros casos. E que ela, como também é uma artista, acha que devia começar a ter outros casos. Rodin pede perdão e se apavora com a possibilidade de perdê-la para outro homem. Nesse momento, a biografa descreve uma cena que teria gerado a obra Sakountala. Destaquei esse trecho que achei lindo no livro, que é bem romantizado, como boa parte dessa biografia. Eu gostei, mesmo assim. Como disse minha amiga Kél nesse texto, a biografia perde muito da arte quando se contenta com o relato fiel dos fatos. O trecho abaixo – que eu destaquei em francês, mas também fiz a tradução – é uma descrição de uma cena terna entre os dois amantes, totalmente baseada na obra de Camille:
Camille le regardait, cet enfant qui s’agrippait. Elle reculait, et lui s’accrochait comme si elle allait le quitter, les yeux desespérés, implorants. Démuni, un homme démuni, à genoux, un visage ravagé (…)
Elle penche la tête vers lui, l’embrasse à la tempe, délicate, ineffablement tendre, elle lui donne tout, son coeur même…”Monsieur Rodin”(…)
Les bûches flambent. Elle s’aperçoit, elle l’aperçoit, reflétés, démultipliés par les miroirs, la grande flambée derrière eux. Il devient l’autel por le sacrifice, elle la proie, elle se penche sur lui, joue contre sa joue, encore debout, elle est tout entière en train de glisser, contre lui, agenoillé. Il la retient encore mais déjà la tête s’affaisse. Un des bras pend, sans force…Dans un dernier geste, elle presse sa main contre son coeur – une douleur sorde qui serre, la joie trop forte de le retrouver, la seconde avant le contact, elle s’abandonne alors, elle meurt…
Camille o olhava, essa criança que se agachava. Ela recuava e ele se agarrava a ela como se ela fosse lhe deixar, os olhos desesperados, suplicantes. Indefeso, um homem indefeso, de joelhos, um rosto ferido…
Ela inclina a cabeça em direção a ele, beija sua têmpora, delicada, inefavelmente terna, ela lhe da tudo, até seu coração…”Monsieur Rodin”.
A lenha crepita. Ela se enxerga e lhe enxerga, refletidos, multiplicados pelos espelhos, a grande chama atras deles. Ele se torna o altar para o sacrifício e ela, a presa. Ela se inclina sobre ele, com a face encostada na dele, e desliza em direção a ele, ainda em baixo, ajoelhado. Ele a retém ainda, mas sua cabeça ja se curva. Um braço pendente, sem força…Num ultimo gesto, ela pressiona a mão contra o coração – uma dor surda que bloqueia, a alegria forte demais de reencontra-lo, o segundo antes do contato, ela então se abandona, ela morre…