Nossas urgências

Ainda não vai dar pra escrever um post feliz. Olha só o nosso fim de semana: sexta de manhã, Dia do Trabalho (dia de não trabalhar e de tomar as ruas no país da greve), eu acordo e levo um susto. Amanheci ensopada de sangue, foi realmente assustador, deu pra notar nos lençóis tingidos de vermelho vivo e nos olhos super arregalados do Arthur que, tadinho, tinha acabado de acordar. Até tentei levantar para ir ao banheiro, mas ai saíram vários coágulos (desculpem se a descrição ficou meio nojenta, mas foi tão impressionante que me dá vontade de contar os detalhes), e eu quase desmaiei e tive que voltar para a cama. O Arthur chamou uma ambulância e eu esperei pelo atendimento calmamente porque sabia que ia ser socorrida em breve e porque não sentia muita dor. No fim tudo correu bem comigo, mas aconteceram algumas bizarrices que me deixaram com muita raiva nessa semana.

Começou com a vinda da ambulância. Os dois funcionários que fizeram os primeiros socorros foram gentis, mediram pressão, temperatura, viram que eu estava sangrando muito e me colocaram numa cadeira de rodas, antes de me passar para a maca, que ficou esperando no térreo. Eu já estava na cadeira, pronta para ir, e eles me pedem minha Carte Vitale, o documento de quem tem seguridade social aqui na França. A gente não tem o documento, mas um seguro de saúde que cobre urgências. Então, eles disseram que teríamos que pagar pela ambulância e teríamos um recibo, para tentar o ressarcimento com nosso seguro. OK, normal, vamos acertar isso quando chegar ao hospital, então.

– Não, desculpe senhor, nosso atendimento é independente do hospital. Tem que pagar direto para a gente. São 130 euros e 11 centavos.

– Tá, eu tenho carte bleue

– Não, não serve cartão, tem que ser dinheiro ou cheque. .. (o cara estava visivelmente incomodado com a situação de ter que cobrar antes de ir para o hospital, mas ele ligou para o chefe dele e parece que esse era o procedimento)… Olha…se o senhor não tiver o dinheiro em casa, a gente pode passar num banco antes de chegar ao hospital (ANTES de chegar ao hospital??? Eu tô entendendo direito ou a hemorragia afetou meus neurônios? Não, era isso mesmo)

O Arthur começou a contar o dinheiro da carteira dele e eu, me arrastando da cadeira para a cama, pedi para puxar a minha carteira e achei 130 euros e… cinco, dez e…voilà 11 centavos…agora podemos ir?

Partimos e, no caminho, um dos funcionários pediu desculpas, dizendo que o dinheiro não ia para o bolso deles não, era para o patrão e tal…enfim, até ele percebeu que o negócio de cobrar antes foi assim, vamos dizer, um tantinho desumano, né?

Mas tudo bem, chegamos ao hospital, fui muito bem tratada, esperaram para ver se eu ainda ia sangrar mais um pouco e acabei fazendo uma cirurgia de aspiração. Passei o dia inteiro no hospital, tomando soro e remédios, mas graças a Deus, não precisei de transfusão. E no fim, achei melhor assim porque não tive que tomar o Cytotec receitado um dia antes pela médica, foi um aborto natural. Mas as bizarrices continuaram. Nosso seguro, o tal de Assist-Card, disse que não ia pagar nada porque eles não cobrem gravidez, nem aborto, nem nenhuma complicação da gravidez.  Mas era uma emergência, se eu ficasse em casa eu poderia morrer, viu? Desculpe, senhora, mas está no contrato… blablabla… Escuta, da próxima vez você pode ligar para o meu marido, que tá la embaixo tentando falar com vocês…não é por nada não, é só que eu estou aqui deitada numa maca a caminho da cirurgia e essa conversa tá me estressando…

No fim, os atendentes do seguro ligaram varias vezes para explicar que eles não cobrem mesmo e blablabla…o Arthur avisou que ia tentar processa-los no Brasil…Mas o senhor assinou um contrato…Mas ele não está de acordo com as leis brasileiras, vou processa-los mesmo assim…Depois de algumas horas liga outro atendente para falar comigo, explicando que realmente o plano não cobre esse tipo de urgência, mas que eles abririam uma exceção e que poderiam pagar 300 euros (detalhe, a conta vai sair uns 2000 euros). A gente continuou batendo o pé, dizendo que não concordava com a atitude deles.

Depois dessa experiência desagradável, aprendemos algumas coisas sobre o sistema de saúde francês que são muito úteis para quem esta vindo para morara aqui por um tempo. A primeira delas: esses seguros internacionais que dizem cobrir urgências não funcionam. E não é só o nosso, uma menina que mora aqui na Maison du Brésil teve que ser levada para o hospital por causa de uma dor aguda, pedra nos rins, coisa que ela nunca tinha tido antes. O seguro dela disse também que não vai pagar nada, porque não cobre doenças pré-existentes, mesmo que o paciente não tenha conhecimento da doença. Fomos olhar no nosso contrato e é a mesma coisa; não cobrem doença pré-existente, qualquer coisa relacionada com Aids, gravidez, aborto… Resumindo, eles só disponibilizam um clinico geral pra receitar remedinhos para a gripe e cobrem acidentes. Qualquer emergência decorrente de qualquer doença não é coberta. E aqui na Maison, pelo menos, praticamente todo mundo faz esse tipo de plano antes de vir, até por indicação das instituições do governo brasileiro que dão as bolsas.

Hoje conversamos com a assistente social do hospital e ela disse que o ideal na França e ter a Carte Vitale e um seguro complementar francês quando você está no pais, trabalhando ou estudando, tudo certinho, legalizado. Senão, se depender desses seguros internacionais, você acaba descoberto. A gente teve que pagar 700 euros por esse seguro, jogamos dinheiro no lixo. E, pior, descobrimos que exatamente com esse dinheiro dava para fazer a Carte Vitale e um seguro complementar por um ano aqui na França, que cobriria outras coisas além de todo tipo de urgência. Enfim, um estresse, uma raiva dessas companhias de seguro que te dão zero de segurança. Agora vou tentar espalhar o alerta para o maior número de pessoas possivel, para que mais nenhum estudante ou pesquisador brasileiro caia nessa armadilha.

15 Comentários

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15 Respostas para “Nossas urgências

  1. Ana Mesquita

    Taís minha linda.
    Você mega sofrendo com a iminência de um aborto espontâneo e acorda pensando no país em greve! No 1º de maio!
    Horrível essa situação, sei que deve ter sido constrangedor e enervante, mas você descreve tudo com muito humor.
    Fique bem.
    bjs
    Ana

  2. meu deus, tata. como os franceses são complicados. é tão ruim ter que passar por isso, ainda mais estando longe de casa, da família e dos amigos. mas vocês tem um ao outro e logo isso vai passar, eu acredito. ainda vamos ler muitos posts felizes por aqui, com muitas fotos lindas e uma taís sorridente, como deve ser. receba todo o meu carinho, mesmo distante, querida. um beijo.

    • Oi Cris, obrigada pelo carinho. Descobri que essas coisas bizaras acontecem mesmo é com estrangeiros. Na verdade eu culpo principalmente o seguro de saude que pagamos. O estado francês para despesas de urgência para todas as pessoas inscritas na seguridade social (caso dos franceses) e dos estrangeiros que estão aqui de maneira ilegal por mais de 3 meses. Qem esta legalizado geralmente tem um seguro particular. O problema é que muitos desses seguros, apesar de serem caros (como o meu) são uma porcaria e não funcionam quando a gente precisa deles.
      Beijos

  3. tatinha, achei o blog dessa moça, que também é joranlista e mora em paris. bem legalzinho, vê se te interessa: http://www.le-croissant.blogspot.com/

    beijos!

  4. Edna Vezzoni

    Nossa Taís! Que horror! Estou indignada com o procedimento dos funcionários… Uma mulher se esvaindo em sangue, e eles, querendo receber? Pior ainda, receber em espécie. Quanta falta de humanidade!
    Concordo contigo. É preciso DIVULGAR sim, o quanto esse pseudo seguro, nada tem de seguro.

    Até parece que estou vendo a carinha, e o olhar de desespero do Arthur diante desta situação… E vocês tão longe de nós, e a gente querendo envolvê-los em Gigantesco Abraço.

    Quanto ao bebê, também fiquei muito triste… Mas, não desisti de ser vovó, e sei que vocês irão providenciar esse netinho, para que eu possa assumir com muito orgulho, os meus cabelos brancos.

    Tata querida, aceite o que aconteceu. Faz parte do processo da vida. Volte a sorrir. Você se ilumina quando sorri, e aproveite Paris.
    Beijos. Amo vocês.
    A sogra.

  5. Tati

    Oi querida,
    Estou chocada com essas revelações. Situação traumática, emergencial e tratamento assim não dá! Que roubada essa do seguro… Acho que vcs têm que dar um jeito de processar mesmo. Enfim, ainda bem que passou e espero que daqui para frente tudo fique bem.
    Beijos e muita força,
    Tati

  6. Maryana Campello

    Taís, muito obrigada pelo aviso. Sou a primeira a comprar um seguro desses à cada vez que vou viajar mas, ainda bem, nunca precisei usar.
    Pena você ter descoberto assim.
    Toda a sorte do mundo por aí.
    Beijo

    • Oi Mariana, o problema é que quando a gente viaja como turista para alguns paises, como a França, é obrigatorio ter um seguro para o caso de te pararem na imigração. Então a gente não tem outra alternativa a não ser fazer um desses planos internacionais mesmo. Da pra mudar quando a gente vai morar mais tempo no pais.
      Beijos

  7. Mariana Lemos

    Ola Taís

    compartilho sua revolta com o seguro brasileiro. Estou ha quase 3 anos em Paris, já tenho carte vitale e tudo.
    mas no começo tive um problema de saúde e fui levada ao serviço de urgência. até hoje estou pagando o Trésor Public, em mensalidades… minha conta deu quase 3000€!
    foi um estresse muito grande essa história, até pq em um dado momento, o Trésor tinha dito que minha dívida havia sido anulada. E meses depois eu recebo uma cartinha simpática da parte deles dizendo que eles iriam bloquear minha conta no banco se eu não pagasse.
    enfim…se você quiser perguntar alguma coisa, eu virei expert em sistema de saúde francês. 🙂
    abraços e tudo de bom!

  8. Pingback: O “interessante” hospital St-Louis « Taís em Paris

  9. Paula

    Tais, vi q essa postaggem é de 2009, espero q ai da responda.
    Vcs chegaram a processar a seguradora?
    Tb sofri um aborto em Paris, tive q fazer uma curetagem. A seguradora não quer cobrir nada. A fatura do hospital chegou na minha casa, no Brasil, essa semana.

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